COSMOPOL

11/10/20252 min read

Imagino-o a nascer nos anos 70, puído e apetrechado por um ex-KGB foragido do comunismo. Todo o cenário a isso adverte a quem não seja analfabeto aos sinais mais ou menos explícitos de determinada simbologia de influência — ou saiba ter um olho ao emblema da espionagem. O mármore salmão no soalho, as paredes de um amarelo que se tem vida também emana uma indefinida angústia. As alcatifas finórias de há trinta anos, os candeeiros entre o Estoril Sol e o Galeto, o lettering NASA 1969.

Estamos no fundo do inverno, mas os preços são de época alta. Quem por ali anda ostenta um orgulho quieto. Será porque se está defronte ao mar onde Carlos V desembarcava quando vinha das campanhas da Flandres? E que forma grande de se entrar em Espanha. Detrás da praia, as montanhas até me parecem os Açores. Ao longe vemos neve, jogando com o azul vivo do oceano trazendo essa atmosfera irreal, nebulosamente telúrica. Na praia, o areal estende-se uns quatro quilómetros. Não é preciso dar grandes largas à imaginação para ter um quadro decente, ali do hotel 3 estrelas de varandas amplas: os quartos envidraçados, o ar condicionado racionado por horas poucas. Diminuto, débil, fútil, quase nulo.

Em suma, Praia de Laredo, como se para gozar o tempo, também fosse preciso sofrê-lo. Se acreditam que aqui não é tudo pensado, desçam do quarto à cafetaria onde a banda sonora alterna Casablanca com bossa nova — volume aí no nível quatro para coincidir com o ar condicionado do quarto. Paredes de rigoroso azul-celeste, castiçais discretos e afirmativos, é preciso manter funcional a solenidade de um hotel sem hóspedes num restaurante sem clientes.

Ainda não vi ninguém na cafetaria onde estou sentado. Casaco fechado, cachecol ao pescoço, há de vir alguém para me servir um café — se calhar o que eu devia beber era uma aguardente.

Aki Kaurismäki não vive assim tão longe. De Viana do Castelo aqui é uma tarde bem passada na autoestrada. Da Corunha a Algeciras ficamos todos muito contentes em saber que está nos seus planos filmar em Vigo. Talvez não fosse nada má ideia vir dar uma mirada a este hotel. Penso que lhe agradaria sobremaneira, sobretudo esta luz diurna. Claro que estou num desses lugares onde mal entramos ficamos cientes de que se vamos daqui é para outro universo. E que o programa espacial há de ser secreto.

Não sei se é como um David Lynch bizarro, mas é suficientemente baço para que de uma Cantábria nos elevemos a uma Escandinávia.